Todos nós reclamamos e, quase sempre, de forma automática. Este artigo mostra por que isso ocorre e como podemos fazer para reclamar menos.
Você conhece algum “reclamão”? Não é nada fácil conviver com alguém assim, não é verdade? Mas, e se o “reclamão” for você? Todo nós reclamamos, você já tentou ficar sem reclamar por um dia? É um grande desafio, mas é uma experiência que todos nós deveríamos vivenciar!
Quantas vezes nós reclamamos por ter que acordar cedo ou por que está chovendo? Reclamamos pelo elevador lotado ou pelo ônibus atrasado. Reclamamos do trânsito, das reuniões, reclamamos, inclusive, por ter que sair de casa… E, quando nos damos conta, percebemos que reclamamos de tudo. Não é mesmo?
No entanto, frente ao cenário atual de isolamento, o que mais gostaríamos de fazer, sem dúvida, é voltar às nossas atividades “normais”, como: acordar cedo, tomar café com a família, cumprimentar o vizinho no elevador, deixar os filhos na escola, ir para o trabalho e poder aproveitar o final de semana! Uma rotina comum, da qual estamos privados momentaneamente.
Olhando para nossa realidade atual, provavelmente nos perguntamos: “Por que eu reclamava tanto?” Já pensou que poderia estar preso em uma armadilha? Sim, uma Armadilha da Mente chamada Reclamação!
O que são armadilhas da mente?
Armadilhas da mente, segundo a Teoria da Inteligência Multifocal, são padrões mentais que podem bloquear a nossa inteligência. Esses padrões são baseados em crenças que temos sobre nós mesmos e que nos impedem de evoluir como seres humanos e protagonistas da nossa própria história. Logo, as armadilhas da mente impedem o desenvolvimento da excelência psíquica, afetiva, social e profissional.
Diante disso, podemos reconhecer muitas armadilhas da mente no nosso dia a dia, por exemplo: o medo de errar, o egoísmo, o coitadismo, o conformismo e a reclamação.
A armadilha da reclamação! podemos ficar viciados em reclamar?
Por que a reclamação é uma armadilha? A neurociência nos ajuda a compreender como a reclamação atua no nosso cérebro.
O nosso cérebro tem uma capacidade imensa de se transformar, o chamado fenômeno da neuroplasticidade. Quando pensamos, o cérebro faz sinapses (ligações entre um neurônio e outro) e produz “vias neuronais” para determinados estímulos, como dor, raiva, alegria, desagrado, contentamento. Essas “vias neuronais” são os caminhos percorridos e elas são reforçadas pelo uso constante, o que significa que quanto mais você usar aquela “rota”, mais forte ela será em relação às outras. Estudos mostram que quando uma “via neuronal” é repetidamente utilizada, diminui-se a distância entre um neurônio e outro para facilitar a sinapse!
Segundo Donald Hebb, psicólogo canadense influente na área de neuropsicologia, “sinapses que disparam juntas, se mantém juntas”. Assim, um neurônio acionado pelo ato de reclamar, sempre fará sinapse com o mesmo neurônio com que se uniu anteriormente, reforçando esta via neuronal, é a chamada “neuroplasticidade dependente da experiência”.
Nós fazemos conexões em nosso cérebro o tempo todo e fazer as mesmas rotas acaba sendo mais cômodo, é preciso um esforço muito grande para buscar caminhos diferentes. E assim, facilmente nos tornamos seres humanos viciados em reclamar.
Existe apenas um tipo de reclamação?
Não! Podemos reconhecer dois tipos: a reclamação instrumental e a reclamação expressiva:
Reclamação instrumental
É um comportamento menos comum no nosso cotidiano. Ela exige gestão dos pensamentos e das emoções, escuta, autocrítica e tantas outras habilidades. Geralmente, a partir dessa reclamação, buscamos soluções para os nossos problemas e promovemos mudanças.
Reclamação expressiva
Tem a função de “descarga emocional”, é o famoso “reclamar por reclamar”, não com intuito de refletir para a melhora e sim para tentar aliviar o estresse, “descarregar” no outro nossas críticas, lamentações etc.
Após esse tipo de comportamento, nós permanecemos com uma sensação de desânimo, tristeza, conformismo e cansaço, isso porque gastamos energia emocional de forma inútil. Mas, você já pensou em como e por que isso ocorre?
O Gasto de Energia Emocional Inútil (GEEI)
O Gasto de Energia Emocional Inútil acontece com mais frequência do que imaginamos. Se você costuma acordar cansado e com dores de cabeça, ter déficit de memória e emoção irritadiça pode estar desperdiçando energia emocional.
Em relação ao momento histórico que estamos vivendo, muitos de nós estão sofrendo, tendo pensamentos e questionamentos que apenas revelam angústia e ansiedade diante de questões que, na realidade, fogem do nosso controle.
Muitas vezes desperdiçamos energia emocional duas vezes: uma antes do fato acontecer, em forma de ansiedade, e outra depois do fato acontecer, em forma de frustração.
Para Augusto Cury (2015), quanto maior o índice de GEEI, menor a capacidade do sujeito de se interiorizar efetivamente, gerenciar suas emoções e ressignificar seus conflitos. Os altos índices de GEEI bloqueiam as funções mais nobres da inteligência, comprometendo a concentração, a memória e o raciocínio. A reclamação expressiva aumenta os índices de GEEI, por isso bloqueia nossa inteligência de várias formas.
O que fazer para reclamar menos?
Todos reclamamos, mas é importante reconhecermos que tipo de reclamação estamos expressando e que outros sentimentos aparecem junto a ela. Quando somos capazes de nomear o que estamos sentindo, aprendemos, pouco a pouco, a fazer a gestão das nossas emoções e sentimentos.
Como solução para as armadilhas da mente, podemos desenvolver os “Códigos da Inteligência”, que são habilidades psíquicas, emocionais e comportamentais que nos permitirão lidar com elas. Alguns códigos da Inteligência que nos fortalecem frente à armadilha da reclamação e vão nos ajudar a reclamar menos, são: gratidão, empatia, autocrítica e resiliência:
Código da gratidão
Nos permite ver o lado positivo das experiências difíceis que vivenciamos, nos ajuda a valorizar o que é simples e pequeno e a reclamar menos. Ao exercer a gratidão, nós estimulamos “vias neuronais” que nos ajudarão a desenvolver relações mais saudáveis e honestas conosco e com os outros.
Código da empatia
Favorece nossa proximidade emocional em relação às experiências vivenciadas pelo outro. Quando estamos emocionalmente saudáveis, esse código nos permite convidar o outro a se aproximar da nossa realidade e de ver a vida de outra forma, considerando novas perspectivas e estratégias para lidar com as reclamações e com os desafios da convivência.
Código da autocrítica
Tende a impulsionar uma reflexão sobre nossas qualidades e dificuldades, possibilitando o autoconhecimento. Dessa forma, nos permite identificar falhas, corrigir rotas, mapear erros e nos orienta para mudanças de comportamentos, o que favorece a reclamação instrumental e nos ajuda a reclamar menos.
Código da resiliência
Favorece o nosso aprendizado frente aos desafios e problemas que enfrentamos no cotidiano. Assim, não nos paralisamos diante das nossas angústias, medos e reclamações e nos fortalecemos diante dos nossos problemas.
Que tal algumas dicas para praticar os códigos da inteligência?
Nós podemos transformar a experiência do isolamento social em algo bom. Veja algumas dicas:
Ao invés de reclamar, vamos nos desafiar e ter gratidão por quem somos, pelo que temos. Você conhece a compota da gratidão? Reserve um pote e coloque em um local de fácil acesso a todos da casa. Toda vez que você fizer uma reclamação expressiva ou escutar alguém fazendo, escreva ou motive a pessoa a escrever um agradecimento em um papel e colocá-lo no pote. É importante que todos se identifiquem!
Ao final da semana, realize um momento de partilha e reflexão para observar todas as vezes pelas quais vocês foram gratos ao longo da semana E aí, topa participar do desafio?
Para sairmos da reclamação expressiva e passarmos à reclamação instrumental, podemos realizar um exercício bem simples: toda vez que fizermos uma reclamação expressiva, podemos elencar duas metas para mudar a atitude ou situação pela qual reclamamos! Assim, conseguiremos praticar a autocrítica e a resiliência diante dos nossos conflitos e desafios!
Faça a jornada do autoconhecimento: perceba, nomeie, duvide e questione seus pensamentos e posturas, principalmente os que estiverem relacionados às suas reclamações. Depois, determine atitudes mais saudáveis para o seu dia a dia e proteja sua emoção!
Por fim, não permita que a reclamação dos outros lhe impeça de experimentar o que é novo ou desconhecido. Não deixe a sua reclamação lhe roubar grandes amizades, destruir seus melhores relacionamentos, ou, até mesmo, suas conquistas. Que ela não seja capaz de diminuir a sua capacidade de se apaixonar pela vida, por si, pelo outro.
Pratique os códigos da inteligência e, não se esqueça, você é autor da sua própria história, então busque sua melhor versão, sempre!
Se você gostou do nosso tema, aproveite para ler também este outro artigo que separamos para você: Empatia: por que praticá-la em tempos de alerta.
Thathiene Ferreira
Graduada em Psicologia com especialização em TCC – Terapia Cognitivo Comportamental e experiência na área organizacional e gestão de pessoas. Atua hoje como Consultora Educacional na Escola da Inteligência.
Leonardo Ferreira Andrade
Formado em Pedagogia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Mestrando em Políticas Educacionais pela mesma instituição. Trabalha como Consultor Educacional pela Escola da inteligência.