Em janeiro/14 a revista Claudia publicou uma reportagem interessante sobre a educação emocional das crianças, sob o título “Especialistas defendem que inteligência emocional deve ser ensinada na escola”, fomentando uma discussão entre vários profissionais com pontos de vistas diferentes e até contraditórios.
A ideia central da matéria é de que pode-se ensinar inteligência emocional para as crianças na escola, sendo este um movimento crescente nos EUA, inclusive como forma de prevenção ao abuso de drogas, bullying, a violência e até o suicídio infanto-juvenil.
Venho expressar meu parecer sobre esta questão que considero importante e que deve ser estimulada tanto em casa quanto na escola. Para isto vou recorrer à minha experiência profissional com crianças e adolescentes em projetos sociais nos quais trabalhei: Projeto Esporte Talento desenvolvido pelo Instituto Ayrton Senna e em casas abrigo da Fundação Francisca Franco e em creches da Ananda Marga onde atuei com crianças, adolescentes, famílias e educadores.
Aprender a lidar com os sentimentos que muitas vezes vem à tona a partir da atitude de outra pessoa é importante para desenvolver o autoconhecimento e usufruir disto de forma equilibrada e coerente.
Nos trabalhos que desenvolvi era muito comum haver discussões, brigas, agressões físicas e desrespeito, tanto entre o grupo de atendidos, quanto para com os educadores. Já havia tentado diversas alternativas para lidar com o problema, principalmente na casa abrigo, no qual a convivência era maior, mas sem resultados eficazes. As soluções eram apenas para apagar incêndios. Foi quando optei por realizar as rodas de conversa diariamente, que estavam previstas nas atribuições técnicas da casa abrigo. Na mesma ocasião recordei-me de que este era um recurso que já havia utilizado em outro projeto que no início teve muita resistência, mas com paciência e jeito, foi ganhando cada vez mais adeptos, até que todos os envolvidos estavam participando ativamente. Na casa abrigo a situação foi bem parecida.
No início a própria equipe considerava em vão, perda de tempo realizar a atividade e o grupo sempre tinha algo a fazer. Mas fui persistente, quanto maior o desafio, mais eu gosto. Comecei as rodas trazendo para discussão algum conflito que ocorreu. Como já era de se esperar, ninguém se pronunciava com medo de represálias e também de se expor. Diante deste impasse fui criando alternativas, como a caixa de sugestões – sem a necessidade de identificação, brincadeiras para quebrar o gelo, situações hipotéticas, etc. Aos poucos todos foram percebendo que este era um espaço aberto para falar de seus sentimentos, compartilhar suas experiências, suas histórias de vida, aprender a ouvir e respeitar o outro do jeito que ele é, com suas qualidades e defeitos, aprender a olhar para si e se reconhecer como parte do todo. Neste processo as pessoas foram se integrando e saindo do individualismo para formar um grupo unido e forte.
As desavenças não desapareceram por completo, mas adquiriram outra forma. Quando algo acontecia o grupo todo se envolvia para participar da solução do problema, opinando e utilizando as próprias experiências como exemplo. Em situações que o grupo considerava importantes eles mesmos solicitavam rodas extras para não permitir que a situação ficasse mal resolvida e criasse maiores problemas.
Com as rodas de conversa ficava claro o papel de cada integrante no grupo. Era fácil verificar quem era o líder, o bode expiatório, a vítima, o rebelde sem causa, etc. Também era possível identificar um líder que estava exercendo este papel de modo negativo e auxiliá-lo a transformar-se num líder positivo que mobilizaria o grupo a favor de um bem maior.
As rodas tinham o objetivo inicial de minimizar os conflitos, mas os ganhos foram muito além daquilo que eu podia prever e até compreender. O grupo se fortaleceu, porque cada pessoa teve a possibilidade de exercitar e melhorar sua autoestima, de descobrir características e aspectos que desconheciam, aprenderam a se expressar com clareza, a reconhecer aquilo que os incomodavam e que geralmente projetavam externamente, trabalharam a insegurança, os medos, as discriminação e se permitiram vivenciar novas e diferentes experiências baseadas no equilíbrio, no respeito, no amor próprio e ao próximo, no rompimento de ciclos autodestrutivos e a aceitarem o SIM e o sucesso.
Na reportagem, Maurice J. Elias considera este método falível, pois alega existir questões inconscientes e hereditárias, bem como os pais são exemplos e os filhos aprendem por imitação.
Concordo que as crianças e adolescentes aprendem por imitação, principalmente dos pais, mas eles também consideram os professores e outros adultos com os quais tenham vínculos afetivos como modelos. Observo constantemente, os filhos corrigindo os pais, muitas vezes obrigando-os a rever e avaliar a própria conduta. Acredito que independente da idade, uma pessoa com consciência e autoconhecimento pode auxiliar a modificar a realidade que vivem, servindo elas mesmas de exemplo. Isto é comum observar no atendimento psicológico de crianças, que servem de gancho para trabalhar com toda a família.
No trabalho na área social isto também acontecia e ficava evidente durante a visita dos familiares e dos posicionamentos que estes começavam assumir e que antes não faziam parte da realidade deles.
Você deve estar se perguntando: e qual o papel da escola na formação das competências emocionais dos alunos?
A escola é o primeiro lugar de socialização das crianças. Muitas experiências, histórias e até traumas elas vivenciarão neste ambiente e as levarão para toda a vida. Atualmente as crianças não têm espaços livres para brincar e aprender a lidar com situações cotidianas que há 30 anos eram corriqueiras. As famílias estão cada vez menores e há um alto índice de crianças que são filhos únicos, portanto muito do que se aprendia através da convivência com os irmãos, hoje aprendem na escola com os colegas. Outro fator é que a dinâmica familiar também mudou com os pais trabalhando mais e tendo menos tempo para compartilhar das vivências dos filhos e estes por fim permanecerem a maior parte do tempo na escola.
Quando a escola sabe utilizar este tipo de intervenção, todos têm a ganhar. Pessoas estimuladas a lidar com suas emoções têm maior concentração, melhores notas, mais amigos, desenvolvem a capacidade para lidar com frustrações e tem mais chances no mercado de trabalho. Atualmente as grandes empresas primam pelo bom relacionamento, pois para elas é mais produtivo investir em capacitação técnica, do que manter uma pessoa com excelente conhecimento técnico/teórico, mas que se relaciona mal.
Abaixo segue a reportagem completa:
Especialistas defendem que inteligência emocional deve ser ensinada na escola
Cresce lá fora um movimento que defende a ideia de que é possível ensinar inteligência emocional às crianças – sobretudo, no ambiente escolar.
Publicado em 30/01/2014
Solange Azevedo – Edição: MdeMUlher
Conteúdo: Cláudia
“Os pais devem observar como manejam as próprias emoções. Crianças agem por imitação”, diz Lino de Macedo, pedagogo
Foto: Joey Boylan/Getty Images
Sentadas em semicírculo, uma porção de crianças de 5 e 6 anos têm à frente uma experiente professora que começa a conduzir a tarefa do dia: “Vocês querem dividir com a turma alguma experiência desagradável que tenha ocorrido aqui ou em casa?”, pergunta. Um dos pequenos toma coragem e conta, meio cabisbaixo, que a mãe costuma gritar bastante e que, por isso, ele acredita que não é amado. “Como você se sente? E como reage ao comportamento dela?”, questiona a educadora. Em seguida, estimula os outros alunos a apresentar sugestões de como lidar com aquele conflito. A dinâmica da aula pode até parecer estranha aqui no Brasil, mas não nos Estados Unidos, onde cresce um movimento em defesa da tese de que as competências socioemocionais – ou, trocando em miúdos, a capacidade de lidar com as situações e as pessoas – podem e devem ser ensinadas na escola. Por lá, não param de pipocar projetos com esse tipo de abordagem. O principal argumento dos partidários dessa ideia é que não se pode ignorar a inteligência emocional porque, além de ser fundamental para o sucesso nos relacionamentos, ela causa impacto significativo no desempenho acadêmico.
Um dos maiores entusiastas da nova tese é o cineasta californiano George Lucas – diretor, produtor e roteirista de blockbusters como Guerra nas Estrelas e Indiana Jones. Tão fã que ele criou a fundação Edutopia, dedicada, entre outras atividades, a apoiar pesquisas na área e a difundir boas práticas. Com outras organizações e educadores, Lucas conseguiu fazer lobby e incluir o tema no currículo de milhares de escolas americanas. “Há métodos realmente capazes de aumentar a consciência sobre as próprias emoções e as dos outros, assim como de ensinar uma pessoa a gerenciá-las de maneira eficaz”, disse a CLAUDIA o psicólogo David R. Caruso, pesquisador da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, e coautor de Liderança com Inteligência Emocional (M. Books). “Mas, na escola, essas técnicas precisam estar integradas às demais atividades dos alunos para dar o resultado desejado.”
Em grande parte, o assunto entrou na ordem do dia porque começou a ser encarado como uma forma de combater enormes fantasmas que assustam a sociedade americana, como a violência, o uso de drogas, o bullying e até o suicídio infanto-juvenil. “A maneira como enfrentamos e dominamos as situações do cotidiano é a expressão da nossa inteligência emocional, e é importante que ela seja trabalhada na escola desde cedo”, ecoa no Brasil Lino de Macedo, professor de psicologia escolar e do desenvolvimento da Universidade de São Paulo (USP) e assessor do Instituto Pensi, área de ensino e pesquisa do Hospital Infantil Sabará, em São Paulo. “Mas também é fundamental ter clareza de que há razões inconscientes e hereditárias envolvidas nisso. Os pais devem observar como manejam as próprias emoções porque as crianças pequenas agem por imitação.” Não adianta, portanto, em sala de aula os professores transmitirem conceitos positivos se, em casa, o aluno convive com adultos que não dão bons exemplos.
O impacto no aprendizado
Pesquisas indicam que aspectos emocionais, como autoconfiança e força de vontade, são tão ou mais importantes para o aprendizado do que as capacidades cognitivas: atenção, memória e organização. Uma delas, feita a partir do cruzamento de dados de 35 mil brasileiros inscritos no site temperamento.com.br, foi conduzida pelo psiquiatra Diogo Lara, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). “Sob esse ponto de vista, é melhor ser alegre e desatento do que atento e desmotivado”, avalia o médico. Outros estudos, como um no Reino Unido que acompanhou os registros de 17 mil crianças durante 50 anos, sugerem que essas características influenciam mais o sucesso pessoal e profissional do que outros tipos de inteligência, como a lógico-matemática e a linguística. Além de mostrar que a propensão a se dar bem na vida é maior entre as pessoas consideradas emocionalmente inteligentes, essas análises também sinalizam que a probabilidade de elas terem casamentos mais duradouros e sofrerem menos de depressão e ansiedade também é maior.
Alguns especialistas acreditam que, se bem conduzidos, projetos que se dispõem a desenvolver a inteligência socioemocional podem, inclusive, ajudar a criar caminhos neurológicos que tornam as crianças capazes de se recuperar mais rapidamente de experiências negativas. Isso porque estimulam o córtex pré-frontal, área do cérebro responsável por planejamento, pensamentos complexos e modulação do comportamento. “Os mais recentes estudos de neurociência comprovam que fatores ambientais modificam o córtex pré-frontal”, ratifica a neuropsicóloga Adriana Fóz. “Daí a importância de trabalhar as emoções positivas das crianças desde a fase pré-escolar.” Adriana é uma das coordenadoras do Projeto Cuca Legal, do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que promove programas para desenvolver as competências emocionais em escolas. As intervenções, feitas por uma equipe multidisciplinar principalmente com os professores e coordenadores, servem para prepará-los para enfrentar melhor as dificuldades de relacionamento e o mau comportamento dos alunos – mas também para que eles atuem como catalisadores desses conhecimentos. “O que os educadores devem fazer, por exemplo, quando são xingados ou levam um chute?, questiona Adriana. “Eles tem de ser hábeis emocionalmente para lidar com esse tipo de situação.”
”As escolas não podem se furtar ao papel de ajudar os alunos a reconhecer e administrar suas emoções, solucionar problemas e estabelecer relações interpessoais saudáveis”, afirma a CLAUDIA o americano Maurice J. Elias, professor de psicologia da Universidade Rutgers, em Nova Jersey, e coautor do livro Pais & Mães Emocionalmente Inteligentes (Objetiva). O envolvimento dos educadores nessa tarefa é essencial porque, em geral, as escolas são o primeiro espaço de socialização. “Uma criança confiante, bem-aceita e valorizada certamente estará mais desperta para o aprendizado. Entenderá, por exemplo, que errar faz parte da vida e aprenderá como agir diante de uma dificuldade. Saberá decidir se vai empacar, persistir ou se esforçar”, avalia a psicanalista Claudia Monti Schönberger, coordenadora de equipe clínica do Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo. “Mas criar momentos específicos para tratar disso me parece artificial. Eu acredito que a inteligência emocional é transmitida por meio de atitudes e exemplos.”
Emoções liberadas
Gerenciar bem as emoções, alertam os especialistas, não significa represá-las. A criança precisa encontrar abertura suficiente para sentir medo, angústia, raiva, tristeza, alegria, euforia. Em vez de dizer “não chore” ou “controle-se”, os adultos devem acolher os pequenos, procurar compreender as razões do comportamento deles e ajudá-los a dar respostas adequadas às situações. “Pais e professores têm de ser bons observadores para auxiliar as crianças a autogerir os sentimentos. Mas vale tomar cuidado para não interferir demais, tornando-as dependentes e passivas”, observa Lino de Macedo. Uma das formas mais eficazes de aprender a lidar com isso nessa fase da vida é por meio de brincadeiras. “Estimular o lado lúdico é importantíssimo”, lembra o psiquiatra Diogo Lara. “Até numa atividade simples, como a preparação de um brigadeiro, é possível perceber características como agressividade, introversão e impulsividade e trabalhar para que as crianças pensem em diferentes maneiras de resolver conflitos”, diz ele. Ou seja, elas devem ser estimuladas ao diálogo e à reflexão.
O psiquiatra ressalta que boa parte da saúde emocional da criança é transmitida pela família porque, até os 4 ou 5 anos, o cérebro infantil só tem capacidade para se ocupar dos vínculos mais íntimos. É a fase em que ela aprende a amar e ser amada. Mesmo que frequente uma escolinha, ainda não consegue compreender direito a vida em grupo. A partir dos 6 anos, mais ou menos, é que começa a ter noção do coletivo e, depois dos 7, passa a desenvolver critérios próprios de reação. “Por isso é tão importante observar como a pessoa-referência, em geral, a mãe, age diante das situações”, relata Lino de Macedo, da USP. Se ela costuma se exaltar e gritar, por exemplo, é provável que o filho repita esse padrão. Se privilegia a negociação e a conversa, também. É exatamente por essa razão que Macedo ressalta: “O adulto nunca pode perder a perspectiva educacional na relação com a criança nem partir para o desabafo ou para o revide”.
Inspire, expire, conte até dez
Os programas em curso nos EUA pregam estratégias diversas – desde a mais simples , como parar para respirar ou contar até dez antes de qualquer reação, até as usadas em terapias convencionais, como tentar desvendar o que está por trás das emoções. E tudo isso é ensinado aos professores para que eles repassem às crianças e aos adolescentes. Para tanto, são usados diferentes meios, como palestras, guias e vídeos. A fundação do cineasta George Lucas dá dicas em seu site – sobre como dialogar, por exemplo (leia quadro abaixo). “Há programas excelentes, que resultam em melhores notas e comportamentos menos agressivos dos alunos,” relata David R. Caruso de Yale. “O problema é que existem poucos estudos sobre o impacto desses trabalhos e nenhum de longo prazo confiável.” Outra dificuldade é como abordar isto com crianças menores, porque elas não tem repertório suficiente para identificar e entender as próprias emoções. Nesse caso, o professor precisa ter a sensibilidade ampliada para não piorar a situação.
Bons modelos do esporte e do teatro
Apesar das críticas e ressalvas, os estudiosos concordam que pais e escolas devem trabalhar, cada um à sua maneira e desde sempre, para ajudar as crianças e os adolescentes a aprender a administrar as emoções. “Há cada vez menos espaço para a socialização. Isso é um erro,” afirma a psicanalista Claudia Schönberger. “Em vez de incentivar mais atividades em grupo e promover as artes, como o teatro e a música, existem colégios que estão oferecendo aulas de filosofia para alunos bem pequenos.” De maneira, geral, as escolas brasileiras ainda não se deram conta do quanto podem fazer para aprimorar as competências emocionais dos estudantes. “A disciplina que melhor trabalha esta questão é a educação física, porque é durante a prática do esporte que a criança faz associações com os colegas, se organiza para ir para a defesa ou o ataque, monta estratégias em equipe e lida com a frustração de perder um gol ou ser a última escolhida para entrar no time,” acrescenta o psiquiatra Diogo Lara. “As escolas se preocupam com português e matemática, mas se esquecem dos aspectos emocionais que, no final das contas, tem até mais peso no desempenho acadêmico.”
Texto: Psicosomar